Crítica Teatral – Espetáculo Final da Tarde – Grupo Teatro de Caretas
Por Danilo Castro
Tem gente que faz teatro na rua,
tem gente que faz teatro com a rua. Uma simples preposição faz toda a diferença
em um conceito. O grupo cearense Teatro de Caretas, embebeu-se das ruas do
centro de Maracanaú (CE), durante a segunda edição do Festival Nacional de
Teatro de Rua do Ceará, ocorrida entre 4 e 6 de junho de 2015.
Sob o alaranjado do céu vespertino,
o espetáculo “Final de Trade” conta a história Wildysllane da Silva Pereira
(Vanéssia Gomes), moça simples, negra, analfabeta, moradora do Bairro Jereissati
II, na Zona Metropolitana de Fortaleza. Talvez ela tenha recebido esse nome “rebuscado”
pela sede de inclusão da mãe, Dalila (Vera Araújo). Afinal, o que é uma singela
Maria diante de uma WILDYSLLANE, que esbanja imponência no próprio nome?
E é nessa linha da inclusão,
proposta pelo Caretas, que se equilibra a encenação COM a rua e não apenas NA
rua. A dramaturgia e direção de André Carreira, do grupo Experiência
Subterrânea (SC), costura a trama propondo uma integração efetiva do público,
que percorre um trajeto de lirismo cênico, rompendo o cotidiano da urbes.
Como não se envolver com um casamento
que acontece à beira do Frigorífico São Francisco, em meio à vitrine dos
galetos giratórios? Como não achar interessante a Dona Silvia, vendedora de
cachorro quente, que entrou na história como patroa da Wildysllane? Ou mesmo o
público na alameda da avenida principal, que lê em coro a carta de Manuel (Non
Sobrinho) dizendo que não voltará mais do Acre.
É um choque na rotina dos
transeuntes. É puxavante que aguça a curiosidade e mexe com a noção entre
ficção e realidade o tempo todo. Mesmo que não haja pretensão do grupo em enveredar
pelo Teatro do Invisível, já que a poesia grita forte através de imagens que
rompem qualquer noção do real. Aos poucos, o povo vai se juntando, desconfiado,
cruzando os braços e perguntando: “É teatro?”. Depois vão entendendo: “Sim, é
teatro!” e vão se envolvendo.
De onde vem o som da marcha
matrimonial? De onde vem o fogo que arde na pista? De repente um bordado se
agiganta de uma sacada e corre por cima da rua transversal. É um susto ouvir os
tiros que matam a travesti Ofélia (Non Sobrinho), filha de Wildysllane, e
encontrá-la chapada ao chão, impressa num banner gigante, ensopada de sangue,
na porta da loja de eletrodomésticos.
Ao mesmo tempo que o simbolismo
imagético nos leva a outra dimensão da realidade, no estilo de atuação proposto
pelo trabalho dos atores, há uma tentativa de tornar espontâneo um diálogo
poético, uma dramaturgia escrita pela mão de um e dita pela boca do outro.
Dilemas do ofício do ator. Às vezes, recolocar um texto a partir das intenções
pessoais e arremates de fala de um ator pode ajudar a deixar a escrita/fala
menos distante dele mesmo.
Somos partícipes de tudo isso. E
melhor, sem qualquer tipo de constrangimento que muitas obras provocam ao
propor interação. As portas da casa estão abertas para sairmos da proteção da
sala de espetáculo e sermos recebidos pelo caos da vida cotidiana, da rua, dos
carros, dos ambulantes, dos vira-latas, dos transeuntes. Final da Tarde poderia
também ter nome mutante, sendo homônimo ao nome das vias em que a trama
acontece a cada apresentação. Bem-vindos à Rua
45, a Anfitriã. Caminharemos daqui pra frente COM ela.
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